quinta-feira, 4 de junho de 2015

Saiba porque é que brincar é a melhor coisa que os miúdos podem fazer

Brincar pode prevenir doenças como a hiperactividade. 
O neuropediatra Nuno Lobo Antunes diz que é “um alimento essencial.

Têm uma energia inesgotável e às vezes era bom que tivessem um botão de desligar. Travar as brincadeiras das crianças, contudo, pode dar mau resultado. Especialistas ouvidos pelo i avisam que esta é das principais ferramentas de aprendizagem na infância, mas também pode permitir diagnosticar problemas de desenvolvimento. Uma equipa de investigadores de Coimbra defende mesmo que apenas dez minutos de brincadeira por dia podem prevenir problemas como hiperactividade.

Hoje assinala-se o Dia Mundial da Criança, pretexto para perceber a importância daquela que é a actividade nobre dos mais novos.

Para o neuropediatra Nuno Lobo Antunes, director do centro para as perturbações do desenvolvimento – Progresso Infantil (PIN), não há dúvidas: a brincadeira é um “alimento absolutamente essencial no desenvolvimento cognitivo”. Começar cedo a brincar é o mais natural, acrescenta também o pediatra Mário Cordeiro. Segundo o especialista, é mesmo entre o primeiro ano de vida e os cinco que a brincadeira tem mais significado na vida dos pequenos. “A criança deixou de ser ‘bebé’ e ainda não é um ‘aluno da primária’. Brincar é, assim, a sua principal função e será através da brincadeira espontânea ou do jogo mais estruturado, só ou com outros meninos, que aprenderá a utilizar uma linguagem e comunicação cada vez mais simbólicas, organizadas e amplas”, diz o médico.

Logo a partir destas idades, é o brincar que facilita a aquisição de conhecimentos, o equilíbrio de tensões e a catarse de emoções e sentimentos difíceis. Mário Cordeiro salienta ainda o “gozo puro e simples do prazer físico, psicológico e emocional” que a brincadeira provoca. Pode ser tentador para os pais mostrarem às crianças aquelas que eram as suas brincadeiras preferidas, mas há uma regra que Mário Cordeiro considera importante: respeitar a vontade da criança. Na opinião do especialista, deve-se promover algum equilíbrio, por exemplo entre brincar com outros ou brincar sozinhos, mas respeitando sempre a personalidade e unicidade de cada um.

Importante até que ponto? De acordo com um projecto de investigação da Universidade de Coimbra, o assunto é mesmo sério: brincar dez minutos por dia parece reduzir os riscos de distúrbios comportamentais como hiperactividade, défice de atenção e agressividade. As autoras da iniciativa “Anos Incríveis” têm-se dedicado a estudar este tipo de problemas e a mais-valia das interacções entre pais e filhos, e defendem o conceito de parentalidade positiva como uma das estratégias para ter ganhos a longo prazo.

A brincadeira é central nesta dinâmica e, segundo as investigadoras, ideias como os adultos respeitarem as regras dos mais pequenos e entrarem no “jogo” podem mesmo traduzir-se em ganhos nas duas direcções. Ao mesmo tempo que as crianças desenvolvem capacidades e exploram a criatividade, há um reforço dos laços parentais.

Se estas ideias alimentam o projecto que pretende implementar a “disciplina” da brincadeira pelo país através de formações com pais, educadores e crianças, e que recentemente recebeu financiamento europeu, Nuno Lobo Antunes considera que é preciso ter alguma cautela. Para crianças que já tenham um diagnóstico de hiperactividade, dez minutos de brincadeira não devem ser encarados como “remédio”, já que precisam de ajuda especializada.

Por outro lado, o médico frisa que embora a brincadeira seja importante para o desenvolvimento infantil, não se podem atribuir distúrbios comportamentais à falta da mesma, já que existem múltiplas causas. E a solução passará sempre pela busca de competências, que pode ter de ir além do jogo.
Há ainda outros avisos. Uma criança que não tenha desenvolvido competência para brincar com outras crianças vai sentir-se pior se for “obrigada”, diz o neuropediatra. É que, embora o brincar seja quase que um reflexo natural para a maioria das crianças, não o é para todas. E na opinião do médico, mais do que a chave para todos os problemas, deve encarar-se a brincadeira como um indicador dos mesmos. É através da brincadeira – ou da falta dessa apetência – que se detectam os primeiros sintomas de doenças como o autismo ou a hiperactividade, exemplifica. No primeiro caso, as crianças não conseguem desenvolver o jogo simbólico (o “faz de conta”). No segundo, há dificuldade em interagir com outras crianças.

Brincadeira 2.0 E será que a tecnologia veio ajudar ou prejudicar? Para o director do centro PIN, Nuno Lobo Antunes, as brincadeiras de hoje não são necessariamente piores que as de antigamente. “A tecnologia proporciona oportunidades incríveis, as crianças querem pesquisar algo sobre algo e têm as respostas na ponta dos dedos”, afirma. Já Mário Cordeiro tem uma visão mais crítica, sobretudo nas idades pré--escolares: não chega ter o “pronto-a-comer” dos gadgets e da electrónica, sublinha. “Seria como um grande chefe de cozinha aprender a cozinhar fazendo uma simples torrada com manteiga”, diz.

Para o médico, cada vez mais se prova que o uso de tablets e videojogos até aos cinco anos é “inadequado, uma prática errada e contraproducente” que limita a criança, “castrando-lhe a criatividade e, principalmente, o uso dos cinco sentidos e o desenvolvimento físico, limitando o processo de relacionamento entre a criança e o ambiente, quer o físico, quer o humano”. Todas as brincadeiras que fomentem a atenção, estratégia, raciocínio, criatividade, imaginação e uso de “peças toscas” para criar um jogo e construir o processo de brincar dão, na opinião do médico, melhor resultado. Ajudam a combater a dispersão, a overdose de estímulos e o cansaço psicológico e intelectual. “Tudo o que seja confrontar a criança com a natureza será bom, desde que seguro, e tudo o que seja artificial, embora necessário no quotidiano, é cansativo e exige um esforço cerebral adjacente, com tudo o que isso implica”, remata.

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